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Vício em celular: 'Fui demitido, arranquei cabelo e usei até durante sexo'

 

Heloísa Barrense - De VivaBem, em São Paulo19/12/2023 04h02

 

 

Guilherme Bueno, 30, enxergava as redes sociais como uma fonte de entretenimento. Acostumado com a tecnologia desde a adolescência, acreditava que a relação que tinha com a internet era normal. Mas, com o passar do tempo, ele começou a questionar se o relacionamento estava saudável.

 

 

Dependência impactou a vida amorosa e profissional

                                                                         

"Teve uma vez que eu estava em uma sala, sem poder usar o celular.

Coloquei a mão na cabeça e comecei a arrancar cabelo. Aí vi um tufo no chão e guardei. Na hora que cheguei em casa, contei: tinham mais de 200 fios de cabelo.”

 

Faço terapia e muito o que converso com a minha psicóloga é que essa mania de arrancar cabelo está muito ligada a uma dependência de redes sociais que tenho. Eu só uso o celular para isso e quando não consigo acessá-lo, já começo a colocar a mão na cabeça.

 

Essa dependência também impactou nas minhas relações amorosas e com o trabalho. Tive um relacionamento com uma pessoa que uma das principais brigas era por causa disso. Uma vez, estava no meio de uma relação sexual, e ficava pegando o celular para atualizar o feed porque estava aguardando um anúncio.

 

No meu primeiro emprego, em que eu atuava como repositor de mercado, não podia usar o celular de jeito nenhum. Para driblar isso, andava com ele na cueca e ficava pegando o elevador que levava ao estoque.

 

Eu ia toda hora para conseguir olhar as redes sociais. Só que não contava que lá tinha uma câmera. Nem tinha passado ainda pelo período de experiência e fui demitido. Hoje, vejo que são situações muito extremas que talvez eu não percebesse na época.

 

Comecei a perceber que tinha algo de errado na minha relação com as redes sociais no enterro da minha avó. Eu era muito próximo dela, estava em luto, mas passava o todo tempo no Twitter. Estava vendo coisas totalmente aleatórias.

 

Minha irmã percebeu que eu não saía do celular e me chamou atenção para que eu pudesse me despedir da minha avó direito. Nesse momento, veio um insight tão forte, que depois comecei a pesquisar a como procurar ajuda.

 

Tenho uma carga horária diária dedicada às redes sociais que é muito difícil de soltar. Acordo e a primeira coisa que faço é pegar o celular. Tirando o horário do banho ou quando estou dormindo, estou sempre com o celular na mão.

 

Estou fazendo terapia cognitiva comportamental até hoje para isso.

Estou diminuindo o uso paulatinamente.

 

Era um daqueles chatos que deveria postar toda hora. Agora, em vez de filmar o show inteiro, por exemplo, e não aproveitar, filmo só o refrão e guardo o celular. São algumas práticas terapêuticas que me ajudam de uma forma mais leve até que eu consiga ter um uso moderado das redes.

 

Meu marido é o oposto de mim e é muito ligado a esportes. Às vezes saímos para caminhadas e percebo que é algo que me faz bem, que me desconecta. Acho que antes não tínhamos consciência como hoje, mas isso tem sido construído."

 

Epidemia

 

O Brasil é o segundo país em que a população mais gasta tempo em frente a telas. Ficando atrás apenas da África do Sul por questões de minutos, o brasileiro gasta em média 9h30 por dia — equivalente a 142 dias no ano.

 

No fundo, vivemos uma epidemia silenciosa, é um cenário muito grave.

Cristiano Nabuco, psicólogo especialista em dependências tecnológicas

 

Mas o tempo de uso das tecnologias não é o único problema.

Segundo Nabuco, o marcador de tempo que um indivíduo utiliza um celular, por exemplo, não necessariamente define uma dependência.

 

“O grande ponto é quando as atividades que seriam factíveis de serem feitas na vida real começam a ser transferidas de uma forma inocente para virtual. Se uma pessoa quer usar a plataforma de comunicação instantânea para conversar com alguém, por exemplo, está tudo bem. O problema é quando existe um uso compulsivo e automático sem qualquer propósito. A hora que a gente observa indivíduos fazendo isso de forma impulsiva e quase automática é onde mora o perigo”

Cristiano Nabuco

 

Consequências dos usos da tecnologia ainda não são completamente compreendidas. O manejo dos dispositivos eletrônicos pode influenciar no funcionamento do nosso cérebro, alterando várias capacidades emocionais e cognitivas.

 

“A tecnologia precisa ser mais bem compreendida. Existe uma corrida louca para que se tecnologize tudo e não pensamos nas consequências disso a médio e longo prazo.”

 

No entanto, já se sabe que o vício em tecnologia pode influenciar predisposições biológicas. Não necessariamente o vício em celular gera outros distúrbios psiquiátricos, como depressão ou ansiedade, mas eles podem, sim, se relacionar.

 

Não é que a dependência aciona outros quadros, mas torna um indivíduo mais vulnerável para que a herança genética possa despertar outras coisas.

Cristiano Nabuco

 

E como ser saudável?

 

Regular o uso das tecnologias é essencial, segundo o psicólogo Cristiano Nabuco.

 

  • Evitar o ato repetitivo de abrir o feed e regular a utilização do celular. "No momento de estudos ou concentração maior, é melhor deixar a tecnologia distante. Mesmo se o celular estiver desligado ao lado."
  • Evitar as multitarefas que a tecnologia permite. Fazer uma coisa de cada vez, ainda que use a tecnologia. "Isso é uma sobrecarga gigante".
  • Evitar levar o telefone à mesa em refeições — especialmente com amigos e família. "Uma refeição em família por semana já funciona como um fator protetivo da sua saúde."
  • Viver as experiências antes de registrá-las. "Quando registrar a experiência é mais interesse que vivê-la, tem alguma coisa errada."

 

 

Fonte: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2023/12/19/vicio-em-celular-relato.htm